segunda-feira, 20 de março de 2017

Guarda Partilhada: fórmula mágica para a felicidade ou moda?

A regulação das responsabilidades parentais (anteriormente designada regulação do poder paternal) visa regular o modo como uma criança se passa a relacionar com a Mãe e o Pai, após a separação destes, enquanto casal.

E há que ter, também, em conta que as responsabilidades parentais (ou o poder paternal) consistem no conjunto de deveres que impendem sobre os pais relativamente aos filhos (sustento, segurança, educação, formação).

Durante muito tempo dizia o nosso Código Civil que o poder paternal (como era chamado) era exercido pelo progenitor a quem o filho fosse confiado. Há 10, 20, 30 anos os filhos eram, habitualmente, confiados às Mães. Não que os Pais fossem incapazes de cuidar dos filhos (embora alguns pudessem ser e possam, ainda hoje, ser) mas porque, culturalmente, as Mães eram a figura preponderante na vida dos filhos.

Não nos podemos esquecer que, até há bem poucos anos atrás, ainda convivíamos com a figura do chefe de família, atribuída ao homem/marido. As mulheres eram para estar em casa, a cuidar das lides domésticas e da educação dos filhos (e esta matéria será tema de uma outra publicação, a propósito da emancipação das mulheres e das suas possíveis consequências sociais, designadamente quanto à vida das nossas crianças e jovens).

Portanto, e apesar de no pós 25 de Abril as mulheres terem ganho uma maior liberdade e terem entrado em força no mercado de trabalho, sabemos bem que a mudança cultural está dependente da mudança de mentalidades e estas demoram décadas a alterarem-se.

É por isso que, ainda hoje, as mulheres trabalham mais do que a generalidade dos homens: fazem-no fora e dentro de casa.

E é, também, por isso que, até há pouco tempo, os filhos eram, quase sempre, confiados à Mãe.

Todavia, essa circunstância não tinha de implicar, necessariamente, o afastamento do Pai da vida dos filhos, até porque a este competia vigiar o modo como a Mãe educava os filhos. E, tanto quanto sei, nunca foi proibido aos Pais irem à escola falar com os professores, pedirem à Mãe informações sobre o estado de saúde dos filhos, acompanharem os filhos nas suas actividades extra-curriculares e por aí fora.

No entanto, e por força de algumas Mães abusadoras da sua condição de guardiãs dos filhos (que as há, embora outras fossem forçadas a tomar determinadas atitudes em virtude de violência, maus tratos e outras circunstâncias, não se devendo, por isso, confundir maldade com necessidade desculpante) iniciaram-se movimentos a favor dos direitos do Pai (o que é legítimo, aceito).

E começou a alterar-se o paradigma do "pai-pagador/visitado-de-15-em-15-dias". Alteração que vejo com bons olhos mas sem fundamentalismos.

Esta alteração de paradigma conduziu (muito rapidamente) à aplicação cega do regime de guarda partilhada. E o que é isto de guarda partilhada?
No regime de guarda partilhada as crianças vivem com ambos os pais, alternadamente, por períodos que podem ir de uma semana a meses.
Chamo-lhe o regime da "criança com a mochila às costas."

E embora veja nesta modalidade de guarda algumas vantagens, considero que não é para todos os pais nem para todas as crianças. E considero que a lei actual não permite a sua aplicação por decisão judicial, sem o acordo dos pais.

Vejamos, primeiro, o regime jurídico do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio ou separação. Diz o artigo 1906.º do CC:

1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível. 
 2 - Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores. 
 3 - O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente. 
 4 - O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício. 
 5 - O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro. (bold nosso)
 6 - Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho. 
 7 - O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles. 


O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita significa que o menor terá de ter residência fixada com a Mãe ou o Pai e um regime de visitas àquele com quem não reside habitualmente, em moldes adequados ao caso concreto e que permitam manter uma relação de proximidade, conforme dispõe o n.º 7.

Portanto, em meu entender, se o tribunal impuser uma guarda partilhada viola o disposto no artigo 1906.º, n.º 5 do CC, uma vez que nessa modalidade não pode fixar a residência da criança nem um regime de visitas.
Sendo certo que uma criança não pode ter duas residências oficiais sob pena de tal poder condicionar seriamente a sua vida, designadamente para efeitos fiscais, académicos e outros.

Por outro lado, qualquer decisão judicial sobre regulação das responsabilidades parentais tem como fio condutor o "superior interesse da criança", conceito abstracto cujo preenchimento se faz de acordo com o caso concreto de cada criança e respectiva família. Se assim não fosse, a lei concretizaria o que se entende por superior interesse da criança.

E é, precisamente, em nome do superior interesse da criança [de cada criança] que vejo a guarda partilhada como uma modalidade de exercício das responsabilidades parentais de aplicação restrita, ou seja, dependente do acordo dos pais e da verificação de algumas circunstâncias essenciais, a saber:
a) proximidade das residências de ambos os pais entre elas e relativamente ao estabelecimento de ensino frequentado pela criança (e a frequentar, porque estas decisões são para o futuro, a médio/longo prazo);
b) os pais devem partilhar os mesmos ideais relativamente às orientações educativas relevantes, por exemplo quanto a rotinas, sanções no caso de incumprimento de regras estabelecidas e outros aspectos importantes do dia-a-dia da criança/jovem (se um entende que, aos 10 anos, a criança deve deitar-se às 21h30m e o outro entende que, nessa idade, já pode deitar-se às 23h ou quando tiver sono; se um entende que a criança aos 14 anos já pode sair com os amigos à noite, sem vigilância de um adulto e o outro entende que, nessa idade, só o poderá fazer sob a vigilância de um adulto, apenas nos períodos de férias escolares e desde que apresente resultados escolares compatíveis com as suas capacidades, vamos ter problemas futuros porque a criança, inevitavelmente, vai fazer comparações entre as regras "das duas casas" e tenderá a preferir "a casa" onde as regras são mais flexíveis ou do seu agrado);
c) os pais têm de manter, entre si, uma relação de amizade ou, pelo menos, de grande cordialidade e cumplicidade no que à criança diz respeito (pais desavindos entre si e guarda partilhada não resulta; o bom senso e o carácter não se impõem por decreto e, muito menos, por decisão judicial).

No entanto, assiste-se a um fenómeno, com origem nos nossos magistrados (apoiados em experiências de outros países e na doutrina de alguns psicólogos), de promoção da guarda partilhada como o método infalível para a felicidade das crianças porque assim se promove o seu igual relacionamento com ambos os pais e um desenvolvimento mais saudável e harmonioso.

Quanto ao argumento relativo à partilha igualitária do tempo com ambos os pais trata-se de uma verdadeira falácia por duas ordens de razões:

1 - Mesmo durante o casamento ou a união de facto quase sempre um dos pais assume a generalidade dos deveres para com os filhos, estando o outro na rectaguarda (quando está), pelo que, em regra, um dos pais assume um papel preponderante na vida dos filhos e mantém com eles uma relação de maior proximidade [quem habitualmente levanta, prepara o pequeno-almoço, lava/veste, leva à escola, vai buscar à escola, vai às reuniões de pais, comparece na maioria das actividades não tem com a criança a mesma relação que aquele que, muitas vezes, só vê a criança à noite, lavadinha e de pijama, pronta para jantar e ir para a cama. Ponto.
Não se trata, aqui, de gostar mais ou gostar menos. Trata-se de disponibilidade, capacidade de sacrifício pessoal em prol de deveres parentais que se sobrepõem à condição de homem/mulher livre.
Portanto, na maioria dos casos, a guarda partilhada pretende impor aquilo que não se praticava sequer na constância da relação marital com o acordo do progenitor ausente ou afastado das tarefas diárias da vida da criança, por opção.

2 - A partilha igualitária do tempo com ambos os pais não é sinónimo de boa parentalidade e de crianças mais felizes. O que importa é a qualidade do tempo em que se está na companhia dos filhos e não a quantidade.
De facto, um progenitor pode ter a criança consigo durante 15 dias e viver frustrado pelo facto de não ter tempo para si e para a sua profissão porque tem uma criança a seu cargo nesse período. Ou, ao invés, não ter tempo para a criança atentos os seus compromissos pessoais e profissionais. Já poderia ser um progenitor mais feliz e dedicado se tivesse a criança consigo, com ampla frequência, é certo, mas aos fins-de-semana ou nas suas folgas, quando tem, de facto, tempo para dedicar à criança.

O argumento de que as crianças crescem mais felizes e harmoniosas em regime de guarda partilhada é outro mito.
As crianças crescem felizes e harmoniosas com pais saudáveis, que se respeitam, que estejam presentes nos momentos em que têm de estar ou podem estar (mas com vontade e satisfação), independentemente de viverem quinze dias com cada um.

A este propósito lembro-me sempre da história "O nó na ponta do lençol" que transcrevo:

"Numa reunião de pais, a directora evidenciava o apoio que os pais devem dar aos filhos. Pedia-lhes, também, que se fizessem presentes o máximo de tempo possível.
Ela entendia que, embora a maioria dos pais e mães daquela comunidade trabalhasse fora, deveriam achar um tempinho para se dedicar a entender as crianças.
A directora ficou surpresa quando um pai se levantou e explicou, de forma humilde, que ele não tinha tempo de falar com o filho nem de vê-lo durante a semana.
Quando ele saía para trabalhar era muito cedo e o filho ainda estava a dormir. Quando ele voltava do serviço era muito tarde e o menino já não estava acordado.
Explicou, ainda, que tinha de trabalhar assim para prover ao sustento da família. Mas ele contou também que isso o deixava angustiado. Não tinha tempo para o filho e tentava redimir-se indo beijá-lo todas as noites quando chegava a casa.
E, para que o filho soubesse da sua presença, dava um nó na ponta do lençol que o cobria.
Isso acontecia, religiosamente, todas as noites quando ia beijá-lo. Quando o filho acordava e via o nó sabia que o pai tinha estado ali e o havia beijado. O nó era o meio de comunicação entre eles.
A directora ficou emocionada com aquela história singela e emocionante. E ficou surpresa quando constatou que o filho desse pai era um dos melhores alunos da escola.
O facto nos faz refletir sobre as muitas maneiras de um pai ou uma mãe se fazerem presentes, de se comunicarem com o filho.
Aquele pai encontrou a sua, simples mas eficiente. E o mais Importante é que o filho percebia, através do nó afectivo, o que o pai lhe estava a dizer."