terça-feira, 23 de dezembro de 2014

A (des)Ordem da Justiça I

Desde pequena (mas pequena mesmo, cinco ou seis anos) que queria ser Advogada. E fui. E sou. Há 13 anos e meio, mais ou menos, o "meio" é um preciosismo. 
Sou apologista da mudança, da transformação, se for para melhor. Nem sempre é possível ter a certeza, a priori, que é para melhor. 
Outras ciências permitem a experimentação antes de se por em prática uma nova ideia. Usam-se cobaias, fazem-se testes. 
E o que tem isto a ver com a minha profissão, com o Direito, com a Justiça?
Tudo.
Quando iniciei a minha vida profissional tinha acabado de estudar, na faculdade e no estágio, um número considerável de normas (imensas mesmo) que tinham sido elaboradas por ilustríssimos juristas, professores de Direito com provas dadas, Advogados com largos anos de experiência. 
A inteligência e a argúcia dessas mentes brilhantes permitiram construir teias de normas perfeitamente harmoniosas, em si mesmas e quando postas em confronto umas com as outras. 
Qualquer alteração legislativa relevante era pensada em harmonia com o edifício jurídico já construído. Seria mais ou menos como se quiséssemos acrescentar um primeiro andar a uma moradia de rés-do-chão. Era necessário chamar arquitectos, engenheiros, mestres-de-obras para que o primeiro andar, além de esteticamente harmonioso com o rés-do-chão, não fizesse ruir todo o edifício. 
O Direito também era assim...em tempos longínquos.
Nos tempos modernos sucedem-se leis, decretos-lei, portarias, regulamentos, despachos em catadupa. Cada diploma pensado de per si, para resolver uma qualquer questão ou servir um qualquer interesse.
É certo que, por vezes, o Direito escrito serve para inovar. De outras vezes, serve apenas para tornar norma legal aquilo que já resulta da prática comunitária. O chamado "costume" que, sendo reiterado e com sentido de obrigatoriedade, constitui fonte de direito. 
Porém, sabia-se que em determinadas leis não se deveria mexer enquanto não houvesse a certeza de que a que a viria substituir seria melhor para a comunidade. Porque o Direito serve a sociedade. 
Quase quatro meses após a entrada em vigor do novo Mapa Judiciário julgo que todos temos a certeza de que a lei que o aprovou não serve a comunidade. 
E já nem me refiro aos problemas da aplicação Citius. Uma brisa na tempestade que é este Mapa Judiciário que retirou aos cidadãos o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais quer porque extinguiu tribunais, quer porque desqualificou outros, quer porque criou tribunais especializados a dezenas de quilómetros de distância das aldeias e vilas do interior, onde os meios de transporte são escassos e a qualidade da rede rodoviária duvidosa. 
Os tribunais são órgãos de soberania e não uma qualquer repartição administrativa. Os tribunais administram a Justiça em nome do Povo. E quando o Direito está em conflito com a Justiça devemos pugnar por esta.
A lei que aprovou o novo Mapa Judiciário e as suas pretensas virtuosidades não me convence. 
Segundo Paulo Nader, a propósito do costume “A lei é Direito que aspira a efectividade (...)". Para mim, esta lei que criou o novo Mapa Judiciário nunca terá efectividade porque, de acordo com o meu sentido de Justiça, viola direitos fundamentais que tenho a obrigação de defender.