segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Violência doméstica - Acórdão da Relação do Porto

"O adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher.”



Poder-se-ia pensar que a afirmação provém de um homem pouco instruído e educado e do tempo em que imperava a figura do "chefe de família" e as mulheres eram vistas como propriedade do Pai ou marido.

Mas não...

A afirmação é de um Juiz Desembargador e consta num acórdão de Outubro deste ano, a propósito de um recurso num processo-crime em que a vítima foi perseguida e humilhada por um homem com quem manteve uma relação amorosa e brutalmente agredida pelo ex-marido, na presença do outro homem - que nada fez, antes pelo contrário - com uma "moca" com pregos.



A afirmação serve para justificar a condenação do ex-marido e do outro indivíduo em penas mínimas e suspensas na sua execução. Como que, justificando a conduta dos dois homens.

Numa altura em que são sobejamente conhecidos os números da violência doméstica e a gravidade dos crimes cometidos por (ex-) companheiros e (ex-) maridos, uma afirmação desta natureza, vinda de um Juiz de um Tribunal Superior, legitima a violência exercida sobre as mulheres.

O legislador português tem vindo a produzir legislação visando proteger a vítima, prevenir a ocorrência de crimes graves de violência doméstica e punir seriamente quem comete este tipo de crimes. Num processo evolutivo que confira às vítimas de violência doméstica uma protecção efectiva e aos agentes do crime uma punição adequada.

Este acórdão [e até a sentença de 1.ª instância que faz apelo à depressão do ex-marido e ao seu condicionamento emocional por ciúmes], à revelia do esforço legislativo, representa um retrocesso civilizacional sem precedentes [pelos vistos, existe um precedente e do mesmo magistrado].



Um acórdão e uma afirmação que me envergonham como Cidadã, Advogada e Mulher.

Apetece perguntar: na ideia deste Juiz o que fazer aos homens que constantemente traem as mulheres e, como se não bastasse, as maltratam portas adentro porque a amante é que é boa? Duas mocas??



Pode aceder ao Acórdão na íntegra em TRP - 2017 - VD - adultério - lapidar - 355-15.2 GAFLG.P1 - Jumpshare