sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

A Mediatização da Justiça e o Princípio da Presunção de Inocência

Nesta era, dita moderna, multiplicam-se as notícias sobre a prática dos mais diversos crimes e, sobretudo, sobre processos judiciais em curso relativos a crimes que causam maior alarme social [como a violência doméstica e outros crimes violentos contra pessoas] ou em que estão envolvidas as denominadas "figuras públicas".

Se é certo que a Constituição da República Portuguesa prevê a liberdade de expressão e o direito à informação, protegendo, desse modo, a actividade dos meios de comunicação social, também é certo que, num plano superior, prevê o princípio da presunção de inocência.

O princípio da presunção de inocência diz-nos que qualquer cidadão que seja suspeito ou arguido num processo-crime se presume inocente até que seja condenado por decisão judicial transitada em julgado, ou seja, insusceptível de recurso.

A partir do célebre processo "Casa Pia" inverteu-se o conceito de informação em matéria de processos judiciais e, em meu entender, viola-se diariamente o princípio da presunção de inocência e assiste-se à total devassa da vida privada das pessoas visadas nesses processos. Mesmo quando esses processos estão em segredo de justiça.

Não se pode limitar o direito dos órgãos de comunicação social a transmitirem informação. Mas a "perseguição" aos visados em processos ditos mediáticos vai muito além do direito à informação. Ainda os suspeitos não foram constituídos arguidos, ou acabaram de o ser, e já temos um julgamento na praça pública.
Ainda os suspeitos ou arguidos nesses processos não tiveram tempo de tomar conhecimento efectivo e integral dos factos que lhes são imputados e já a sociedade sabe que fizeram isto e aquilo e, por isso, vão ser julgados.
Ainda o processo "vai no adro" e já sabemos tudo sobre a vida privada dos suspeitos ou arguidos, incluindo o número do calçado e o tamanho da roupa interior, com quem almoçam, jantam, onde dormem, onde vivem, quem são os amigos íntimos, quem são ou foram as mulheres/maridos, quantos filhos têm, onde vivem e o que fazem.

Factos, são factos. E a Justiça deve ser feita, serenamente, nos tribunais.
A mediatização da Justiça não é benéfica para Procuradores, Magistrados, funcionários e, sobretudo, para os visados nesses processos porque se aniquila o princípio da presunção de inocência.
Independentemente da prova que venha a ser feita em julgamento ou da prova que não se faça e implique a absolvição dos arguidos, já estão, muitos deles, condenados na praça pública.

Se o "Sr. Manuel das Couves" é suspeito de um crime, constituído arguido e julgado e ninguém se interessa pelo seu processo, tendo ele direito a um julgamento sereno, sem aparatos televisivos e notícias de jornal, podendo defender-se onde deve fazê-lo [no tribunal] não percebo a razão de outras pessoas não o poderem fazer apenas porque exerceram cargos políticos ou são conhecidas do público por variados motivos.

A informação, nestes casos, deve ser a estritamente necessária para se saber que o indivíduo A ou B está a ser alvo de uma investigação. A partir daí, o público só deve ter conhecimento da decisão que vier a ser proferida e dos seus fundamentos, se o interesse público assim o ditar. Caso contrário essas pessoas têm o direito a um processo sério, sereno e fora dos olhares indiscretos da comunicação social e do público. Muito do que se diz e escreve sobre os ditos processos mediáticos tem pouco rigor jurídico, atrapalha a investigação e o julgamento e onera os visados com um estigma difícil de ultrapassar.

Rigor e bom senso são fundamentais no jornalismo porque o princípio da presunção de inocência, ditado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, sobrepõe-se ao direito à informação e sobretudo, sobrepõe-se à devassa da vida privada dos suspeitos ou arguidos em processos mediáticos.
Procuradores, Magistrados, Advogados e funcionários devem cumprir e fazer cumprir o princípio da presunção de inocência evitando prestar declarações e dar informações sobre os processos. Ponto.

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